Vantagens na Contratação de Colaboradores Surdos

RESUMO: A comunidade surda brasileira tem enfrentado desafios significativos em sua luta por reconhecimento, inclusão e valorização da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e da cultura surda. A fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos em 1857 marcou o início da educação formal para surdos, mas o Congresso de Milão de 1880 impôs o oralismo, marginalizando as Línguas de Sinais. Ao longo do século XX, a luta pela legitimidade da Libras ganhou força, resultando em legislações importantes, como a Lei 10.436/2002, que oficializou a Libras e o Decreto 5626/2005, que regulamentou sua utilização nas escolas. Apesar de avanços, muitas empresas ainda contratam surdos apenas para cumprir a Lei de Cotas, frequentemente devido a preconceitos e falta de informação sobre as vantagens que esses profissionais podem trazer. A presença de intérpretes de Libras é essencial para facilitar a comunicação e promover a inclusão. Além disso, o aprendizado de Libras no ambiente de trabalho não só melhora a comunicação em situações desafiadoras, mas também promove o desenvolvimento cognitivo dos colaboradores, favorecendo habilidades como resolução de problemas e multitarefa. A cultura surda brasileira, marcada pela resiliência e criatividade, contribui para um ambiente diversificado e inovador, fortalecendo a identidade e o pertencimento. Portanto, valorizar a Libras e a cultura surda é fundamental para o engajamento e a inclusão no mercado de trabalho.

ABSTRACT: The Brazilian deaf community has faced significant challenges in its struggle for recognition, inclusion, and the valuing of Brazilian Sign Language (Libras) and deaf culture. The foundation of the Imperial Institute for the Deaf-Mute in 1857 marked the beginning of formal education for the deaf, but the Milan Conference of 1880 imposed oralism, marginalizing sign languages. Throughout the 20th century, the fight for the legitimacy of Libras gained momentum, resulting in important legislation, such as Law 10.436/2002, which officially recognized Libras, and Decree 5626/2005, which regulated its use in schools. Despite these advancements, many companies still hire deaf individuals solely to comply with the Quota Law, often due to prejudice and a lack of understanding of the benefits these professionals can bring. The presence of Libras interpreters is essential for facilitating communication and promoting inclusion. Moreover, learning Libras in the workplace not only enhances communication in challenging situations but also fosters cognitive development among employees, improving skills such as problem-solving and multitasking. The Brazilian deaf culture, marked by resilience and creativity, contributes to a diverse and innovative environment, strengthening identity and belonging. Therefore, valuing Libras and deaf culture is fundamental for engagement and inclusion in the labor market.

INTRODUÇÃO

A inclusão e valorização da comunidade surda no Brasil têm sido temas centrais nas discussões sobre direitos humanos e diversidade cultural. A trajetória histórica dessa comunidade é marcada por lutas significativas em busca de reconhecimento e acesso à educação de qualidade. A Língua Brasileira de Sinais (Libras) emergiu como um símbolo de identidade e resistência, refletindo não apenas uma forma de comunicação, mas também uma rica cultura e um modo único de ver o mundo. Com o passar do tempo, diversas legislações foram implementadas para garantir os direitos linguísticos e educacionais dos surdos, embora desafios persistam, especialmente no mercado de trabalho. Neste contexto, é crucial entender não apenas os obstáculos enfrentados, mas também as oportunidades que surgem com a promoção da Libras e a inclusão de surdos nas organizações, contribuindo para um ambiente mais diverso e inovador.

UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A comunidade surda brasileira tem trilhado um caminho árduo em busca de reconhecimento, inclusão e valorização de sua língua e cultura. Nos primórdios, a educação formal era praticamente inexistente, tornando a comunicação e a interação social desafios constantes. O marco do século XIX foi a fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos em 1857, precursor do atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que inaugurou a educação formal para surdos no Brasil. No entanto, esse período foi também marcado pela forte influência do Congresso de Milão de 1880, que promoveu o oralismo como método exclusivo de ensino, marginalizando as Línguas de Sinais e limitando o desenvolvimento pleno da comunidade surda.

Durante o século XX, a comunidade surda brasileira se mobilizou e lutou arduamente pelo reconhecimento da Libras como uma língua legítima e essencial para sua educação e cultura. Esse movimento ganhou força ao longo das décadas seguintes, culminando na criação de escolas bilíngues e no fortalecimento da Libras como um meio de comunicação e expressão.

Além disso, diversas legislações foram fundamentais nesse processo, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Decreto 5626/2005 que regulamenta a Lei de Libras e trata da formação de professores para o ensino da Língua Brasileira de Sinais, a Lei 12.319/2012 que reconheceu a profissão do tradutor e intérprete de Libras, e a Lei 10.436/2002 que oficializou a Libras como língua da comunidade surda brasileira.(DE OLIVEIRA CARVALHO, 2015).

Posteriormente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) reforçou os direitos linguísticos e culturais da comunidade surda.

Estas leis representam avanços significativos na promoção da inclusão e na valorização da cultura surda no Brasil. Porém se faz necessário mudanças além da legislação.

SURDO E O TRABALHO

De acordo com Jorge e Saliba (2021), muitas empresas contratam surdos apenas para atender às exigências da Lei de Cotas para Deficientes (Lei nº 8.213, de 25 de julho de 1991), que determina que empresas com 100 ou mais funcionários devem reservar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. No entanto, apesar dessa exigência legal, muitas empresas ainda não contratam surdos, frequentemente devido a preconceitos ou falta de informação. Entre as alegações principais para isso é que esses profissionais possuem baixa escolaridade, falta de capacitação ou dificuldades de comunicação com os ouvintes, sem considerar as vantagens e habilidades únicas que esses trabalhadores podem oferecer, além de não se preocuparem com o preparo e a recepção adequados para esses profissionais.

Segundo Reis (2006), torna-se essencial que o empregador disponibilize um profissional intérprete de Libras para promoção de interação entre colaboradores surdos e ouvintes. Esse profissional não apenas facilita a comunicação entre os colaboradores, mas também promove o respeito às diferenças linguísticas.

O profissional intérprete de Libras é tão necessário pois as dificuldades dos surdos são evidenciadas logo no início, começando pela entrevista. Muitos surdos têm por hábito solicitar a um familiar ouvinte que o acompanhe, mas esse hábito retira a independência e revela uma lacuna que deveria ser preenchida pela empresa. Por esse motivo a contratação de surdos é vista como custosa, segundo Silva (2021), a acessibilidade para a comunidade surda deve ser abordada de forma a evitar o capacitismo. É fundamental entender que a pessoa surda não é inferior e não deve ser encarada como um encargo financeiro para a empresa.

Há vantagens na contratação de surdos, bem como na promoção do aprendizado de Libras como segunda língua.

VANTAGENS DE PROMOVER A DIVERSIDADE E O APRENDIZADO DE LIBRAS

A participação social das empresas pode impactar a relação entre uma maior proporção de pessoas com deficiência (PcD) e a produtividade.(FERREIRA, 2016).

Para contratar colaboradores surdos, é crucial ter pelo menos uma língua em comum com os demais colaboradores, sendo o português escrito uma opção viável. Além disso, a empresa pode incentivar e apoiar os colaboradores na aprendizagemda Libras, ampliando as possibilidades de comunicação e promovendo uma cultura inclusiva e diversificada. Um ambiente mais diversificado pode catalisar a geração de soluções inovadoras.

Promover o aprendizado da Língua de Sinais no ambiente de trabalho não apenas facilita a comunicação entre colaboradores ouvintes em situações desafiadoras, como em ambientes ruidosos ou a distâncias médias, mas também traz benefícios significativos além da esfera da comunicação imediata.

Desenvolvimento Cognitivo: Aprender uma segunda língua, especialmente uma língua com modalidade diferente como a Língua de Sinais, pode promover o desenvolvimento cognitivo. Estudos sugerem que o aprendizado de línguas adicionais pode melhorar funções executivas como a resolução de problemas, tomada de decisão e multitarefa. Bilíngues tendem a alternar entre línguas e fazer escolhas linguísticas constantemente, o que fortalece suas habilidades de atenção e memória. Esse exercício mental pode levar a uma maior plasticidade cerebral, facilitando a aquisição de novas línguas e melhorando a compreensão de nuances linguísticas.

Segundo Mineiro e Moita (2014), o bilinguismo não apenas afeta a estrutura cerebral do indivíduo, mas também impacta o processamento linguístico em ambas as línguas. Hoje, a aquisição bilíngue é reconhecida não como algo que compromete o desenvolvimento linguístico, mas sim como um fator que impulsiona o desenvolvimento cognitivo e, consequentemente, favorece a aquisição e evolução da linguagem.

É importante ressaltar que o bilinguismo influencia a plasticidade cerebral, moldando e remodelando estruturas, estabelecendo e reforçando conexões, além de expandir redes neuronais.(GOULART et al, 2017).

A exposição a diferentes modalidades linguísticas pode facilitar a compreensão e a adaptação a diferentes estruturas linguísticas. Isso pode ser especialmente vantajoso em ambientes educacionais e profissionais, onde a diversidade linguística é uma realidade crescente.

Promover o aprendizado da Língua de Sinais também promove a inclusão de pessoas surdas no ambiente de trabalho. Isso não apenas cria um ambiente mais inclusivo, mas também aumenta a sensibilização para as necessidades e habilidades únicas desses colaboradores.

Além de facilitar a comunicação eficaz em diversas situações, o aprendizado da Língua de Sinais no ambiente de trabalho contribui significativamente para o desenvolvimento pessoal e profissional dos colaboradores, promovendo um ambiente mais diversificado, inclusivo e cognitivamente estimulante.

A cultura surda brasileira se destaca pela resiliência, criatividade e força. A Libras tornou-se um símbolo de identidade e união, promovendo diversas formas de expressão artística como literatura, teatro e dança. A surdez não é apenas uma deficiência, mas uma experiência única que molda a visão de mundo e as habilidades das pessoas que a vivenciam. A identidade cultural surda, com sua história, língua e comunidade promove um senso de pertencimento, de acordo com Dalcin (2006). Por isso o empregador que incentiva a valorização destes aspectos no ambiente de trabalho promove o engajamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A promoção da inclusão da comunidade surda no ambiente empresarial não é apenas uma questão de cumprimento legal, mas uma oportunidade estratégica para as organizações. Ao valorizar a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e implementar práticas inclusivas, as empresas não apenas atendem à diversidade, mas também enriquecem seu capital humano. A presença de colaboradores surdos pode trazer novas perspectivas e soluções inovadoras, contribuindo para um ambiente de trabalho mais criativo e dinâmico. Além disso, a promoção da comunicação efetiva através da contratação de intérpretes de Libras e do incentivo ao aprendizado dessa língua entre os funcionários pode fomentar um clima de respeito e colaboração. Em última análise, investir na inclusão dos surdos é uma decisão que beneficia tanto os colaboradores quanto a organização como um todo, refletindo um compromisso genuíno com a diversidade e a responsabilidade social.

Felipe Moura, 2024.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 8.213 de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Legislação relativa ao trabalho de pessoas portadoras de deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213cons.htm. Acesso em: 16 de julho de 2024.

BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em: 16 de julho de 2024.

BRASIL. Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Presidência da República. Casa Civil. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2 004-2006/2005/decreto/d5626.htm Acesso em: 16 de julho de 2024.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 jul. 2015.

DALCIN, Gladis. Um estranho no ninho: um estudo psicanalítico sobre a constituição da subjetividade do sujeito surdo. In: DE QUADROS, Ronice Müller. Estudos surdos I. Editora Arara Azul, p. 186-215, 2006.

DE OLIVEIRA CARVALHO, Vanessa; DA NÓBREGA, Msª Carolina Silva Resende. A história da educação dos surdos: o processo educacional inclusivo. II SEMINÁRIO POTIGUAR: EDUCAÇÃO, DIVERSIDADE E ACESSIBILIDADE – UMA QUESTÃO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS, 2015.

FERREIRA, Luciana Carvalho de Mesquita; RAIS, Luciano Aversani. Qual a relação entre diversidade e desempenho? Um estudo sobre a relação entre a proporção de pessoas com deficiência na produtividade das empresas brasileiras. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 18, n. 59, p. 108-124, 2016.

GOULART, Maria Teresa Carthery et al. Correlatos neurais de diferentes experiências linguísticas: impactos do analfabetismo e bilinguismo sobre a cognição. Neuropsicologia Latinoamericana, v. 9, n. 3, 2017.

JORGE, Camila; SALIBA, Graciane Rafisa. A inserção do surdo no mercado de trabalho, frente às políticas públicas de inclusão. Revista Direitos Culturais, v. 16, n. 38, p. 159-174, 2021.

MINEIRO, A.; MOITA, M. Cérebro e bilinguismo: pontes e pontos de encontro. Povos e Culturas, n. 18, p. 69-66, 1 jan. 2014.

REIS, Joab Grana. O surdo e o mercado de trabalho na cidade de Manaus. 2006. 127 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2006.

SILVA, Deise Souza da. Surdez e mercado de trabalho: a escolha profissional dos surdos. 2021. Dissertação de Mestrado.

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