ESG by Design & Greenwashing: Uma Nova Fronteira da Sustentabilidade Empresarial

1. Introdução

Como compreendemos nos últimos artigos, o ESG (Environmental, Social and Governance) tem inundado todos os círculos, ramos, empresas e governos. E, com o ESG popularizando tanto a pauta da sustentabilidade, infelizmente, um vilão também segue a tendência: o greenwashing.

Porém, como vislumbrado no artigo anterior, “Quão Sustentável é seu ESG?”, há uma proposta recente cunhada por Marcus Maida, pesquisador convidado na Purdue University, advogado e consultor empresarial, que pode se apresentar como uma forma de prevenção a esse fenômeno preocupante: o ESG by Design.

2. O que é o ESG by Design?

Em seu TEDx Talk, Maida apresenta, pela primeira vez, em 12 de janeiro de 2022, o conceito que iremos focar nessa conversa. Baseado em 5 princípios que iremos aprofundar na sequência, o ESG by Design encontra seu ineditismo nos termos finais – by design.

Figura 1: foto de Marcus Maida próximo ao palco do TEDx Leblon

Fonte: LinkedIn (2021).

Marcus explica que a construção desse conceito foi, em grande parte, baseado em estudos que fez do trabalho de Ann Cavoukian sobre privacidade e proteção de dados. Respeitada profissional e acadêmica na área, Cavoukian desenvolveu o conceito do Privacy by Design, na década de 90. Em suma, seu conceito trata-se da consideração da segurança e privacidade de dados pessoais de usuários desde a concepção de novos produtos, serviços etc. dentro de uma organização.

E é aqui que encontra-se a correlação entre a visão de Maida e de Cavoukian. Marcus aponta que ESG by Design seria a incorporação do ESG desde o princípio da criação de novas ideias, novos negócios. Destaca-se, então, 5 princípios para que isso seja realmente possível:

Figura 2: imagem descritiva dos princípios de ESG by Design

Fonte: elaborado pelo autor.

São princípios simples e naturalmente intrínsecos à proposta ESG. Porém, tanto em seu TEDx Talk quanto no artigo publicado pelo GRC World Forums (2022), Maida destila maior ênfase na aplicabilidade do ESG by Design à novas empresas, novos negócios, especialmente startups. Na próxima seção, entretanto, meu objetivo será demonstrar como ele também pode ser de grande ajuda para instituições consolidadas que já estão há mais tempo no mercado, independente de seu porte.

3. Como ele pode evitar o greenwashing

Um grande risco a empresas mais antigas – sejam elas de pequeno, médio ou grande porte – que buscam se alinhar com os compromissos globais de enfrentamento à crise climática e sustentabilidade, é o greenwashing. Sabemos que há aquelas que utilizarão todos os artífices à disposição para maximizar seus lucros, mesmo manipular relatórios ou maquiar propagandas a seu bel-prazer, infelizmente. Por outro lado, precisamos lembrar que essa não é uma regra, e que tem muita gente por aí procurando fazer o certo, mas talvez apenas não conheça o melhor caminho.

Pensando nisso, observo que o ESG by Design possa ser um conceito complementar, um que vise elevar a sustentabilidade geral da instituição sem ser superficial, sem seguir um fluxo de pressão de fora para dentro, mas ao contrário. De maneira que as tão desejadas ações ESG que trarão lucros financeiros e benefícios ambientais e humanitários venham do cerne do que a organização é, e não apenas devido ao que os shareholders e/ou stakeholders exigem. Como você deve ter identificado, isso fica muito mais fácil de acontecer quando seu negócio está começando. Inclusive, é extremamente nítido observar o impacto que tal cultura gera depois de alguns anos. Um exemplo que gostaria de mencionar é o da Patagonia, marca de roupas e acessórios para atividades ao ar livre. Para quem não conhece a história de Yvon  Chouinard, fundador da empresa, é uma leitura que fortemente recomendo.

Figura 3: imagem com logo da empresa Patagonia

Fonte: SEEKLOGOS.

Em síntese, antes mesmo de operar com vestuário, quando Yvon ainda fabricava os equipamentos de escalada da Chouinard Equipment sozinho – por volta da década de 60 -, ele já possuía algo fundamental para a implementação efetiva do ESG by Design: princípios. Chouinard sempre almejou equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, assim como levava o respeito à natureza muito à sério. Exemplo disso é que, em um momento que as proteções fixas e pitões de escalada representavam 70% das vendas de sua empresa, Yvon se pronunciou contra a utilização dos mesmos, pois estes danificam irreparavelmente as rochas, e consequentemente, as áreas de escalada ao redor do mundo.

Essa visão e manutenção de princípios desde a fundação de suas empresas é o que coloca a Patagonia, hoje, como um dos melhores e maiores exemplos de sustentabilidade empresarial ao redor do mundo, ao mesmo tempo que segue obtendo um faturamento de bilhões. Caracterizando, com exímio, como ambas as coisas podem crescer juntas.

Por outro lado, caso você faça parte de uma instituição que já deixou as rodinhas há um tempo e não pode mais se beneficiar de ter um começo tal qual o de Yvon, não se preocupe, há muito o que fazer. Para começar, vamos dissecar os 5 princípios apontados por Marcus Maida:

  1. Ser proativo e não reativo quanto às questões ESG: assim como os 4 pontos a seguir, Maida é direto ao elencar esses pontos. Aqui, é simples: não espere até que um acionista pressione sua empresa a tomar uma ação sustentável, identifique o que pode ser melhorado e agilize as soluções. Aplique a melhoria contínua e busque a qualidade total em tudo, inclusive no que tange a sustentabilidade, o tempo todo.
  2. Aplique a transparência: relatórios periódicos de sustentabilidade – fidedignos – é fundamental, mas não é tudo. Quando seus diretores finalizam uma reunião importante, quanto tempo leva para a secretária saber o que foi discutido ali dentro? Ela, e demais colaboradores em menor ordem hierárquica, em algum momento tomam conhecimento disso? A transparência precisa ser interna tanto quanto externa. É preciso abandonar a cultura de “funcionários”, que cumprem apenas as funções de seu CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), e abraçar a cultura de “colaborador”, aquele que entende que o sucesso da empresa é o próprio sucesso.
  3. Seguir os princípios de diversidade e equidade: a História já nos provou incansavelmente que a segregação é a pior opção. Porém, ainda a vivemos, e com muita força. Você que está lendo, por exemplo, é neurotípico? Se for, lembra de ter estudado com algum neurodivergente ao longo da sua educação formal, ou uma pessoa com algum outro tipo de deficiência? Se, como eu, você estudou nas instituições de ensino brasileiras, muito provavelmente sua resposta seja: não. Ou algum número irrisório e degradante, como “1” ou “2”. É um problema estrutural, e que culmina em uma dificuldade realmente gritante de departamentos de Gente e Gestão que simplesmente não sabem como incluir equitativamente essas pessoas nas suas empresas. Agora, como educador que já atuou em salas de aulas mistas, com neurotípicos e pessoas com os mais variados tipos de deficiência, permita-me elucidar uma coisa: a inclusão, quando feita de forma equitativa, é fenomenal. O benefício é global, não apenas para aquele que é incluído, mas também para o que inclui, o que se recusa a excluir. Então, por esse e dezenas de outros motivos que você pode encontrar em uma rápida pesquisa na internet, esse princípio é inescusável.
  4. Agir localmente: esse os ativistas vão entender mais facilmente. Isso porque há uma máxima famosa entre ativistas climáticos – da qual não encontrei origem oficial, se você descobrir, por favor me avise para atualizar esse texto – que diz: “pense globalmente, aja localmente”. Para além do sentido claro de que as pequenas ações que tomamos afetam todo o planeta, essa frase também puxa outro gancho. Aquele que nos lembra de que talvez não faça sentido eu contratar um profissional caríssimo do outro lado do mundo, quando eu posso investir na educação dos meus colaboradores que já estão aqui, e ávidos por conhecimento, ansiosos para contribuir o quanto puderem. Não apenas isso, mas também que a imagem de sua empresa não é construída apenas pelo o que dizem seus relatórios e propagandas de marketing, mas também pelo que dizem as pessoas umas às outras. A comunidade ao seu entorno é, também, cliente do seu produto ou serviço? Se sim, acredito que seus colaboradores digam maravilhas aos colegas do vôlei de quarta-feira. Se não, já se perguntou o porquê? Além disso, se sua organização está constantemente aproveitando do que aquela região, aquela comunidade tem a oferecer, como ela devolve tudo o que colheu? Já passamos da fase em que a maneira mais rápida de se crescer era utilizando os outros como escada. Hoje, a colaboração, o ganha-ganha, é a melhor maneira de se fazer isso – ainda bem.
  5. Ser ético: apesar de último, com certeza não é o menos importante. Lembra do artigo “Quão Sustentável é seu ESG?”, quando eu disse que é preciso sair do “ESG básico”? Talvez seja através deste pilar que isso possa acontecer de maneira mais significativa. Trocar aquela ideia capciosa que ficou tão popular entre investidores de que ESG é sobre “se dar bem, fazendo o bem”, por algo melhor. Parafraseando inúmeros autores que debateram sobre o tema ao longo do tempo, devemos fazer o certo por assim o ser, e não porque nos convém. Como já disse Fábio Brazza, “[…] Afinal, você faz o bem porque é bom ou porque a moral diz que é o certo a se fazer? […]”. De outra forma, se ninguém o observasse, ainda assim seria ético? Faria o que é correto? Se for capaz de cumprir com esse pilar, então, sem dúvida, estará tão distante quanto possível de greenwashing ou de qualquer outra prática de corrupção.

Agora, para além de seguir esses princípios, como você, que faz parte de uma empresa consolidada, pode alinhar o ESG by Design com o restante da agenda? Como já é esperado: depende. Depende de qual seu ramo de atuação, em qual ponto sua instituição está nessa caminhada, de quantos princípios acima mencionados já estão à toda e quantos não… E por aí vai. Apesar de muitas variáveis interferirem nessa resposta, não lhe deixarei na mão, sozinha (o) no escuro. Por isso, elenquei algumas coisas que a maioria das organizações podem pensar em toda sua cadeia produtiva e na sua cultura organizacional que podem trazer o ESG by Design cada vez mais próximo à sua realidade:

  1. Procure adotar uma Economia Circular: reavalie seu portfólio de produtos e identifique como todo seu ciclo de vida pode ser mais circular, desde sua concepção e a obtenção de matéria-prima, até o uso e, posteriormente, destino final. Voltando ao exemplo da Patagonia, além de suas roupas serem produzidas de forma sustentavelmente responsável, também possui uma iniciativa chamada Worn Wear, onde revende peças da própria marca já usadas, como um grande “bazar online”, próprio. Ao mesmo tempo que vai contra o fast fashion e reduz o consumo e produção desenfreada de roupas, consegue faturar mais de uma vez sobre a mesma peça – que sacada, viu!
  2. Reconstrua sua Cadeia de Suprimentos (ou supply-chain, para os mais próximos): de que adianta sua empresa atingir os mais altos índices ESG se compra seus insumos de uma organização extremamente insustentável? Reestruturar sua supply-chain, quando necessário, não é uma tarefa fácil – pode ser uma hecatombe, na realidade -, mas é crucial para atingir esse objetivo.
  3. Engaje e capacite seus funcionários: para mudanças tão significativas acontecerem, é preciso que todos estejam abertos a essas mudanças. Por isso, tem que se compreender que nem todos os colaboradores da sua empresa entendem do que se trata ESG, muito menos by Design. Nesse sentido, percebe-se a importância de capacitar essas pessoas no assunto (ninguém precisa virar especialista, ok?), para não apenas aceitarem as mudanças que ocorrerem, mas também serem parte delas, ativamente. Chega daquele pensamento conformista na sua equipe: “Mas eu já faço assim há 20 anos e funciona, porque mudar?”. Utilize das Ferramentas da Qualidade, Kaizen, Melhoria Contínua, o que for necessário para ter ao seu lado pessoas que não temem a mudança, mas que a celebram.

Por fim, em minhas considerações finais, relembro do objetivo inicial deste artigo: demonstrar como o ESG by Design pode ser uma solução para evitar ou se distanciar do greenwashing.

Aplicar o conceito de ESG by Design fortalece as empresas de tal maneira que elas se distanciam do greenwashing, pois suas bases são firmemente enraizadas na sustentabilidade desde o início. Este conceito proporciona um alicerce robusto, assegurando que cada decisão empresarial, desde a concepção de produtos até as operações diárias, seja guiada por princípios ESG autênticos e integrados, e não o “ESG básico”.

Adotar ESG by Design significa que a sustentabilidade não é uma camada superficial adicionada para atrair investidores ou consumidores, mas sim uma parte fundamental da estrutura da empresa. Isso impede práticas de greenwashing porque a transparência e a ética são inerentes ao modelo de negócios. Tal abordagem não apenas fortalece a resiliência e a competitividade da empresa, mas também contribui significativamente para um futuro mais sustentável e equitativo.

Espero, através de todas as linhas acima, ter sido capaz de explicar como isso pode, de fato, acontecer. À Marcus Maida, que me inspirou a escrever esse texto após assistir seu TEDx Talk, meu mais caloroso agradecimento.

Matheus Vicentin, 2024.

REFERÊNCIAS

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