Além das Aparências: ESG em Suas Raízes
Você já foi, voltou, leu e releu. Mas, no fim, o que é o ESG? Quais as raízes dessa sigla que tem dominado nossos cotidianos? E qual seu principal objetivo?
Antes de prosseguirmos para as reflexões, para evitar interpretações errôneas acerca das próximas linhas, desejo pontuar os tópicos principais da análise deste artigo.
- O conceito de ESG;
- A diferença entre objetivos, e resultados/consequências do ESG;
- O perigo obscuro de não compreender devidamente os pontos anteriores.
Para responder às perguntas, podemos encontrar uma resposta única. Não, não estou falando da história de origem, da famosa publicação entre Banco Mundial e a ONU (Organização das Nações Unidas), “Who Cares Wins“ – Quem Se Importa Vence. Para entender o que é ESG, é preciso compreender qual seu objetivo primordial.
Pode parecer intuitivo e tentador pensar em cenários idílicos: um futuro sustentável, ruas arborizadas e sem a presença de moradores de rua, clima agradável, zero corrupção etc. A questão aqui, e que muitos parecem ignorar ao falar da temática, é que esses não são os objetivos primordiais do ESG. São consequências. Afinal, o que é “primordial“? Segundo o dicionário de Oxford: “que é a origem, o início de (algo); primeiro, primitivo”. Seguindo esse raciocínio, com que objetivo uma empresa inicia a incorporação de uma cultura, de objetivos ligados ao ESG em sua rotina?
Você poderia pontuar ser algo como “promover a sustentabilidade em todas as áreas de atuação das empresas e organizações.”. Imagino isso porque foi a mesma resposta que o ChatGPT me forneceu em um teste que fiz com a IA (Inteligência Artificial). Entretanto, não seriam esses fatores decorrentes da implementação do ESG?
Vamos encarar de outra maneira: você acredita que alguma empresa incorporaria ESG na sua rotina organizacional se isso significasse prejuízo em qualquer tempo cronológico (curto, médio e/ou longo prazo)? Bom, como não posso ouvir ou ver a sua resposta, vamos tomar como exemplo o que me disse o ChatGPT: “É improvável que uma empresa implemente conceitos ESG em suas ações e atividades se perceber que isso lhe trará prejuízo em qualquer tempo cronológico […]”.
Sendo assim, o que objetiva qualquer organização nesse caminho?
O lucro. A competitividade. A viabilidade futura.
De início pode parecer estranho e disruptivo. Isso porque temos sido bombardeados de propagandas verdes e brilhantes de todos os lados, o que nos faz confundir o que o ESG de fato é. Falo e repito constantemente aos meus alunos: ESG não é sobre abraçar as árvores; não é sobre abraçar o próximo; nem sobre abraçar a idoneidade. ESG é a maneira que a economia, as empresas, organizações e corporações encontraram para falar de sustentabilidade. A maneira que encontraram para compreender a língua que falam os ativistas há tanto tempo. Isso porque as empresas falam um dialeto à parte. E qual é o fundamento dessa linguagem empresarial? O lucro. Aquilo que move tudo que é privado.
Não fosse o ESG lucrativo, acha que alguma empresa implementaria?
Não tome apenas minha palavra como base, perceba também o que diz no segundo parágrafo da sétima página do documento no qual foi cunhado o termo central dessa conversa, pela primeira vez (“Who Cares Wins”):
“As instituições que endossam este relatório estão convencidas de que em um mundo mais globalizado, interconectado e competitivo, a forma como as questões ambientais, sociais e de governança corporativa são gerenciadas faz parte da qualidade geral de gestão das empresas necessária para competir com sucesso. Empresas que têm um desempenho melhor em relação a essas questões podem aumentar o valor para os acionistas, por exemplo, gerenciando adequadamente os riscos, antecipando ações regulatórias ou acessando novos mercados, ao mesmo tempo em que contribuem para o desenvolvimento sustentável das sociedades em que operam. Além disso, essas questões podem ter um forte impacto na reputação e nas marcas, que são uma parte cada vez mais importante do valor das empresas.” – traduzido do inglês, grifos de minha autoria.
Percebe onde quero chegar?
As consequências de uma devida compreensão e instalação de uma cultura ESG são, sim, extraordinárias. Não há dúvidas quanto a isso. Trabalho constantemente para disseminar esse conhecimento e exponenciar o impacto positivo que o ESG pode entregar. Entretanto, enxergar essas consequências como objetivos fundamentais do ESG é perigoso. É preciso compreender sua origem, suas mais profundas raízes. É preciso realizar essa separação entre consequências, e objetivos. Para entender esse perigo, vamos analisar um caso emblemático: a hipocrisia da ExxonMobil.
Estudos, artigos e notícias recentes apontam, sem margem para dúvidas, que a gigante do gás e petróleo mundial sabia, com surpreendente precisão, o impacto do seu negócio bilionário no futuro da humanidade. Segundo Alice McCarthy, em texto publicado no The Harvard Gazette em 2023:
“Projeções elaboradas internamente pela ExxonMobil a partir do final da década de 1970 sobre o impacto dos combustíveis fósseis nas mudanças climáticas foram muito precisas, até mesmo superando as de alguns cientistas acadêmicos e governamentais, de acordo com uma análise publicada na quinta-feira na revista Science por uma equipe de pesquisadores liderada pela Universidade de Harvard. Apesar dessas previsões, os líderes da equipe afirmam que a gigante multinacional de energia continuou a semear dúvidas sobre a crescente crise.” – texto traduzido do Inglês, grifos de minha autoria.
Geoffrey Supran, o principal autor e ex-bolsista de pesquisa em História da Ciência em Harvard, diz: “O que descobrimos é que entre 1977 e 2003, excelentes cientistas dentro da Exxon modelaram e previram o aquecimento global com uma habilidade e precisão francamente chocantes, apenas para a empresa passar as próximas décadas negando essa mesma ciência climática.“.
Antes de continuarmos, vamos recapitular:
● Exxon desenvolveu ciência climática de precisão e qualidade que só seriam experimentadas anos mais tarde;
● Exxon decidiu, então, passar as próximas décadas negando o que suas próprias pesquisas e outras evidências científicas apontavam.
Me diga você: como isso pode fazer algum sentido? O que pode explicar tamanha antítese, tamanha hipocrisia? É aqui que voltamos à teoria inicial:
O lucro. A essência do sistema capitalista. A mais-valia. The profit. Use a terminologia que desejar, em qualquer que seja a língua. O conceito, a conclusão, são os mesmos.
Há décadas a Exxon identificou que sua existência era paradoxal. Afinal, se as petrolíferas mantiverem os mesmos ritmos de trabalho e estratégias de negócios, em pouco tempo não haverá nada para se alimentar com todos esses combustíveis, já que não haverá mais humanidade para utilizar nada disso. Lembrete amigável: ao falarmos de crise climática, não falamos do fim do planeta Terra, ou do fim da vida no mundo. Esse corpo geóide seguirá por aqui. Muitas espécies continuarão aqui. Exceto a humana, e outras que não forem capazes de se adaptar à crise climática.
Entretanto, se você acessar o LinkedIn da Exxon verá a seguinte frase estampada no header: “Advancing Climate Solutions” – Avançando Soluções Climáticas. Guarde essa informação.
Figura 1: header presente no LinkedIn da ExxonMobil no dia 18/03/2024
Em novembro de 2023 a Agência Internacional de Energia (International Energy Agency, IEA) disse em um relatório que a indústria de petróleo e gás está confiando excessivamente na tecnologia da captura de carbono para reduzir as emissões e chamou essa abordagem de “uma ilusão“.
Recentemente, durante a COP-28 (Conference of the Parties – Conferência das Partes), Daren Woods (CEO da ExxonMobil) contradisse a IEA, afirmando que o mesmo poderia ser dito sobre veículos elétricos e energia solar. Sim, a cadeia de suprimentos envolvida na produção de um veículo elétrico e geração de energia solar ainda está longe de ser totalmente descarbonizada. No entanto, isso não absolve a Exxon da exploração de combustíveis fósseis.
Culpar outras instituições que buscam soluções eficazes para combater essa crise não exime a Exxon de sua responsabilidade sobre ela. Apenas ressalta o despreparo e a falta de direção dos executivos da empresa.
Ainda, em Junho de 2023, durante uma conferência, Woods afirmou: “Não vamos entrar em energia eólica e solar. Não vamos entrar em elétrons.”. De acordo com a Forbes:
“Ao invés disso, o foco da Exxon continuará sendo a busca e manipulação de hidrocarbonetos, com uma ênfase crescente em se livrar do carbono. No Texas, a Exxon está planejando uma usina de hidrogênio “verde” que produzirá 1 bilhão de pés cúbicos por dia de H2 a partir de gás natural – capturando CO2 no processo e injetando-o no subsolo.”.
Desta maneira, enfim, entendemos o perigo de não compreender o ESG como ele, de fato, conceitualmente, é. O greenwashing. Ao se deixar levar, ou manipular, por uma empresa que brada aos sete ventos seus esforços em adaptação ao ESG, você pode se deixar levar por um caminho tortuoso.
Após a Segunda Revolução Industrial o foco das empresas era a eficiência. Qualidade era um diferencial. Hoje, qualidade se tornou requisito básico de qualquer produto ou serviço. Enquanto isso, qual o novo diferencial? A sustentabilidade. Então, não é de se estranhar que, atualmente, um dos maiores trunfos no mundo dos negócios para agregação de valor seja o ESG. Tal qual é dito e repetido no texto mencionado neste artigo, “Who Cares Wins”. E não é à toa que profissionais de Marketing sejam tão bons em utilizar essa carta na manga. O problema é quando a mensagem do marketing é diferente da prática dos demais setores.
E é aqui que chegamos ao objetivo final deste artigo. Um alerta. Se uma pessoa não compreende a origem detrás do ESG, como poderia ter a criticidade para driblar e questionar as inúmeras propagandas e práticas de greenwashing ao seu redor? Ressalto, para evitar equívocos: esse artigo serve como um passo para trás, antes de mergulhar no universo do ESG. E, espero, que você, agora possuinte desse conhecimento, encontre-se mais preparado para contribuir na disseminação dos conceitos; das práticas; da cultura ESG.
Como diria Mário Sérgio Cortella, cautela. Cautela ao lembrar que determinada empresa não é “altruísta” ao dizer que incorpora os conceitos de ESG em seus processos.
Cautela. Lembre-se do início dessa conversa, lembre-se do objetivo primordial do ESG. Lembre-se: cautela.
Matheus Vicentin, 2024.