Medindo Impacto: os 3 Escopos de Emissões de GEE

– “Eu quero inserir minha empresa na pauta ESG, mas não sei por onde começar, o que eu faço?”.

Essa é uma pergunta muito recorrente atualmente e, provavelmente, você mesmo (a) já tenha feito esse mesmo questionamento. Primeiro, vamos desmistificar uma coisa simples: não há um caminho único a se trilhar por todos. É preciso compreender em que ponto você, sua empresa, sua organização está para então traçar uma rota, um plano de ação. Para isso, é inescusável entender o que são os 3 Escopos de Emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa). Então vamos ao que interessa:

1. GHG Protocol

2. O que são os 3 Escopos

3. Por fim, por que isso te interessa?

1. GHG Protocol

Os 3 escopos, foco deste artigo, foram definidos pelo GHG Protocol (GHGP) – Protocolo de Gases de Efeito Estufa (GEE) -, o qual teve seu surgimento em 1998 após desenvolvimento pelo World Resource Institute (WRI) em associação com o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), além de parceria com diversas outras instituições.

Sem sombra de dúvida, o GHG Protocol é a ferramenta mais amplamente conhecida e utilizada, no mundo, para auxiliar na produção de Inventários de Emissões de GEE.

No Brasil, ele teve suas primeiras aplicações a partir de 2008, sendo ideal devido sua compatibilidade com as metodologias de quantificação do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, ou “Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima”), bem como com a ISO 14064:2007.

2. O que são os 3 Escopos

Agora que você já conhece quem os definiu, vamos entender o que eles, de fato, são. Estes 3 escopos servem para segmentar as fontes de emissão de GEE na sua organização, como uma maneira de facilitar a compreensão desses fatores. Bem como, mais tarde, será necessário para a realização de um inventário de emissões. E, antes de pontuar cada um deles, é preciso ressaltar que essas emissões são, antes de tudo, divididas em: diretas e indiretas.

As emissões diretas são aquelas provenientes do processo produtivo controlado diretamente pela instituição. Por exemplo, em uma indústria, todo o maquinário necessário para confecção dos produtos, que emite GEE, faz parte dessas emissões diretas. Outro exemplo seriam os veículos oficiais, pertencentes ou controlados diretamente pela empresa, para fins diversos, como: transporte de materiais, resíduos, pessoas e/ou produtos. Enquanto isso, as emissões indiretas advém de fontes que não são diretamente controladas pela empresa, mas que fazem parte da cadeia produtiva, do ciclo de processos – sejam upstream, midstream ou downstream.

Agora, vamos segmentar mais essas fontes de emissão através dos 3 escopos definidos pelo GHG Protocol:

a) Escopo 1: emissões diretas

No Escopo 1 estão presentes todas as emissões relacionadas aos elementos pertencentes ou controlados diretamente pela empresa. Entram nesse escopo, por exemplo: fontes móveis controladas pela empresa, como veículos pesados, barcos, aviões e carros; fontes estacionárias como caldeiras, fornos e turbinas; processamento químico ou físico, resultado da fabricação ou processamento de produtos químicos e materiais (ex. cimento, alumínio, ácido adípico, amoníaco e processamento de desperdícios), etc. Há, ainda, o que são chamadas de emissões fugitivas, que são: liberações que venham a ocorrer no armazenamento, transmissão e processamento de combustíveis da produção; e a liberação não intencional de substâncias que não passem por chaminés, tubos de escape, drenos etc.

b) Escopo 2: emissões indiretas (energia)

Já no Escopo 2, entramos no campo das emissões indiretas, definidas anteriormente. Mais especificamente, nesse escopo, falamos da geração das diversas formas de energia utilizadas pela sua empresa, como elétrica e térmica.

No Brasil, mais de 85% da matriz elétrica vem de fontes renováveis, o que é um ótimo número ao comparar com outros países. Entretanto, como esse número ainda não chegou aos 100%, é preciso contabilizar as emissões decorrentes, principalmente, das fontes de energia elétrica não renováveis que fazem parte dessa matriz como, por exemplo, as termelétricas (sendo as mais emissoras, segundo o IEMA – Instituto de Energia e Meio Ambiente).

Além disso, há também emissões decorrentes do processo de T&D (transmissão e distribuição), no qual parte da energia produzida e endereçada ao consumidor final é perdida. Entretanto, quem deve relatar, no Escopo 2, as emissões dessa perda do processo de T&D é, na verdade, a companhia proprietária ou controladora da operação de T&D. Para esse caso em específico, o consumidor final pode, apenas, reportar essa emissão no Escopo 3. Para facilitar a compreensão, observe esse exemplo elaborado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) em parceria com o World Resources Institute na segunda edição do documento “Contabilização, Quantificação e Publicação de Inventários Corporativos de Emissões de Gases de Efeito Estufa”:

“A Companhia A é uma geradora independente de energia que é proprietária de uma usina de geração de energia. A usina produz 100 MWh de energia e emite 20 toneladas de emissões por ano. A Companhia B é uma revendedora de energia e tem um contrato de fornecimento com a Companhia A para adquirir toda a sua energia. A Companhia B revende a energia adquirida (100 MWh) para a Companhia C, uma companhia distribuidora que é proprietária ou controladora do sistema de T&D. A Companhia C consome 5 MWh da eletricidade em seu sistema de T&D e vende os 95 MWh restantes para a Companhia D. A Companhia D é um consumidor final que consume a energia adquirida (95 MWh) em suas próprias atividades. A Companhia A relata suas emissões diretas resultantes da geração de energia no Escopo 1. A Companhia B relata as emissões resultantes da energia adquirida e revendida a um consumidor não final como informação opcional, separadamente do Escopo 3. A Companhia C relata no Escopo 3 as emissões indiretas resultantes da geração da parte da energia adquirida que é vendida ao consumidor final e, no Escopo 2, as emissões da parte da energia adquirida e perdida no sistema de T&D. O consumidor final D relata as emissões indiretas relacionadas ao seu próprio consumo de energia adquirida no Escopo 2; opcionalmente, pode relatar no Escopo 3 as emissões relacionadas às perdas de T&D em partes anteriores da cadeia.” – grifos do autor.

Figura 1: Exemplo de contabilização de GEE resultantes de venda e aquisição de energia.

Fonte: Adaptado do GHG Protocol Corporate Standard (edição revisada), WRI/WBCSD, 2004.

c) Escopo 3: outras emissões indiretas

Por fim, entramos nas emissões indiretas do Escopo 3, as quais, na maioria das vezes, representam o maior desafio para as organizações. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a instituição em análise possui pouco poder de decisão em relação à longevidade desses processos emissores. Mas, por que?

É simples: as emissões do escopo 3 são consequências do processo produtivo da sua empresa/organização, sendo que as fontes dessas emissões não são controladas pela instituição. Além disso, essas emissões podem estar indiretamente presentes em qualquer fase do seu processo, principalmente em upstream e downstream.

Várias são as situações que se encaixam nesse escopo, como: o transporte de colaboradores (não apenas ida e volta do trabalho, mas também viagens de negócios); exploração e produção da matéria-prima dos seus produtos, que é feita por outra empresa na supply chain; toda a rede de T&D após produto acabado; resíduos produzidos; e até mesmo o que é necessário para utilizar do seu produto/serviço pelo consumidor final.

Ainda está difícil de visualizar? Considere o seguinte exemplo prático: você vende pão caseiro no seu condomínio. Para confeccionar estes pães, você utiliza de algumas máquinas, as quais você possui poder de decisão total sobre quais utilizar (forno elétrico, ou a gás, por exemplo). As emissões dessas máquinas se encaixam no Escopo 1. Para realizar todo o processo de produção desses pães você também necessita de energia elétrica para várias aplicações, como simples iluminação – aqui está o Escopo 2.

Porém, de nada adianta todo o maquinário e ambiente adequado se você não tiver a matéria-prima necessária, vamos considerar, aqui, apenas a farinha. Então você pede ao seu filho (colaborador do processo) que vá até o mercado comprar essa farinha necessária. Se ele for com o seu carro, é emissão de Escopo 1 (veículo oficial/propriedade da empresa, vulgo, você), se ele for de ônibus, é Escopo 3 – porque você não é proprietária e nem controla a rede de transportes da sua cidade, ou seja, possui pouco poder de decisão se os ônibus serão elétricos ou não.

Então, ele chega no mercado e encontra algumas opções de farinhas: a Opção A, mais barata, é famosa por escândalos de corrupção, seus funcionários trabalham em situação análoga à escravidão e as empilhadeiras e paleteiras utilizadas na indústria são todas movidas à gás; enquanto isso, logo ao lado, a Opção B, um pouco mais cara, apresenta seus relatórios de sustentabilidade no próprio site oficial para qualquer um ver, as métricas oficiais e externas de satisfação dos colaboradores é alta, e toda a cadeia de transportes é composta por veículos elétricos.

Essa decisão de qual fornecedor escolher, é o principal desafio do Escopo 3. Escolher a opção A, sabendo do histórico da fabricante é, acima de tudo, dar um preço à corrupção, um preço à dignidade humana, e um preço ao futuro da humanidade. Por isso que o Escopo 3 se configura como tão relevante. É o mais difícil e complexo de se lidar, sim. Mas sua importância é irrevogável.

Há algo que dificulta ainda mais a análise de emissões do Escopo 3: a falta de informações. Pode ser que sua instituição esteja extremamente avançada em todos os termos do ESG, o que lhe faria um competidor formidável no mercado. Contudo, seu cliente sabe disso? O que você possui para provar essa hipótese? Onde estão os relatórios? Onde está o inventário de emissões? Esse é um desafio que você mesmo enfrentará quando fizer seu próprio inventário, o de encontrar fatos e dados verificáveis sobre sua cadeia de suprimentos, sobre o seu Escopo 3.

3. Por fim, por que isso te interessa?

Entender os 3 Escopos de Emissão de GEE e sua aplicação prática é uma jornada essencial para qualquer empresa que busca se destacar em um mundo cada vez mais consciente ambientalmente – uma pesquisa de 2019, feita pela Union + Webster e divulgado pela FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná), apontou que 87% dos brasileiros prefere investir em produtos provenientes de empresas com práticas sustentáveis.

Ao dominar esses conceitos e implementar práticas eficazes de gestão de emissões, você não apenas se posiciona como um líder em responsabilidade corporativa, mas também colhe uma série de benefícios diretos e indiretos. Por exemplo, reduzir seus custos operacionais ao otimizar o uso de energia e recursos, aumentar a eficiência dos processos e minimizar o desperdício. Além disso, ao quantificar suas emissões e buscar constantemente maneiras de reduzi-las, você pode atrair investidores e clientes que valorizam a sustentabilidade e a responsabilidade ambiental.

Considere o caso de uma empresa que implementa medidas para reduzir suas emissões de Escopo 3 ao longo de sua cadeia de suprimentos. Essa empresa não apenas reduzirá sua pegada de carbono, mas também promoverá mudanças positivas em toda a sua rede, incentivando fornecedores a adotar práticas mais sustentáveis e impactando positivamente as comunidades onde operam.

Em última análise, investir na gestão de emissões de GEE não é apenas uma escolha ética, mas também uma estratégia inteligente para garantir a viabilidade e o sucesso a longo prazo da sua empresa.

 

Matheus Vicentin, 2024.

 

REFERÊNCIAS

IEMA – INSTITUTO DE ENERGIA E MEIO AMBIENTE (Brasil). 2º Inventário de emissões atmosféricas em usinas termelétricas: Geração de eletricidade, emissões e lista de empresas proprietárias das usinas a combustíveis fósseis referente a 2021. Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/produto/2o-inventario-de-emissoes-atmosfericas-em-usinas-termeletricas. Acesso em: 9 abr. 2024.

IEMA – INSTITUTO DE ENERGIA E MEIO AMBIENTE (Brasil). Emissões de gases de efeito estufa de usinas termelétricas cresceram 75%: IEMA divulga inventário de termelétricas fósseis com dados inéditos de 2021; usinas a carvão seguem como as mais emissoras. [S. l.], 15 dez. 2022. Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/emissoes-de-gases-de-efeito-estufa-de-usinas-termeletricas-cresceram-75-20221215. Acesso em: 11 abr. 2024.

FGV – FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (Brasil) et al. Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol: Contabilização, Quantificação e Publicação de Inventários Corporativos de Emissões de Gases de Efeito Estufa. 2. [S. l.], 2008. Disponível em: https://cetesb.sp.gov.br/proclima/wp-content/uploads/sites/36/2014/05/ghg_protocol_duplas.pdf. Acesso em: 12 abr. 2024.

MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (Brasil). Brasil registra maior produção de energia limpa dos últimos 12 anos: Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, comemora resultado e destaca ações para tornar o País referência mundial em energia renovável. [S. l.], 31 mar. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/brasil-registra-maior-producao-deenergia-limpa-dos-ultimos-12anos#:~:text=O%20ministro%20de%20Minas%20e,el%C3%A9trica%20vem%20de%20fontes%20renov%C3%A1veis. Acesso em: 15 abr. 2024.

SILVA, CASSIA. CADEIA DE SUPRIMENTO DE PETROLEO E O PROCESSO DE PLANEJAMENTO: CADEIA DE SUPRIMENTO DE PETROLEO. In: SILVA, CASSIA. ANÁLISE DO IMPACTO DOS ERROS DE PREVISÃO NO PROCESSO DE PLANEJAMENTO DE PRODUÇÃO DE UMA EMPRESA PETROLÍFERA. Orientador: CARLOS PATRICIO SAMANEZ. 2012. Tese (MESTRE EM LOGÍSTICA) – PUC-RIO – PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO, [S. l.], 2012. DOI 1022097/CA. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/21199/21199_4.PDF. Acesso em: 8 abr. 2024.

IBM (Brasil). O que são emissões do Escopo 3?. [S. l.], 2024. Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/topics/scope-3-emissions. Acesso em: 9 abr. 2024.

ENERGIA SOLAR, TopSun. Responsabilidade social: Pesquisa aponta que 87% dos brasileiros preferem empresas com práticas sustentáveis: Medidas como redução e reciclagem de resíduos, diminuição do uso de papel e redução no consumo de energia contribuem com uma empresa mais responsável e sustentável. G1 – Globo Notícias, [S. l.], p. 1, 2 mar. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/especial-publicitario/top-sun/top-sun-energia-solar/noticia/2021/03/02/responsabilidade-social-pesquisa-aponta-que-87percent-dos-brasileiros-preferem-empresas-com-praticas-sustentaveis.ghtml. Acesso em: 16 abr. 2024.

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