Quão Sustentável é seu ESG?

  1. Introdução

Essa provocação lhe parece contraditória? Se sim, então esse artigo é para você. Em outras palavras, seriam estes dois termos, de alguma maneira, sinônimos? Ou, ainda, seria oESG (Environmental, Social and Governance, ou “Ambiental, Social e Governança”, em português) o substituto da Sustentabilidade Empresarial? São perguntas complexas e com explicações e implicações quase tanto quanto, então vamos aos poucos.

Antes de nos aprofundarmos e buscar determinar se os conceitos mencionados acima são intercambiáveis ou paralelos, precisamos compreendê-los separadamente, do básico. A sustentabilidade, por exemplo, como você descreveria? Consegue elucidar de alguma forma?

Praticamente todas as pessoas lendo esse artigo encontrariam diferentes respostas para essas perguntas. E não, não é porque não entendem do que se trata a sustentabilidade. Atualmente, praticamente todos compreendem a sustentabilidade de alguma maneira, em algum nível. Acontece que, além de ser um conceito abrangente por fundamento, também tem sido diluído e propagado de maneira quase incontrolável nos últimos anos.

Trabalhar 60 horas por semana é sustentável? Não. Aceitar suborno Subornar? Ser assediado (a)? Cidades sem planejamento urbano? Múltiplas camadas de plástico para desembalar um produto? Trabalho análago à escravidão? Líderes abusivos? Ar-condicionados em todas as casas e prédios ao invés de construções inteligentes e com refrigeração natural?

Exatamente, isso nos leva ao outro lado da moeda: todas essas práticas são insustentáveis. Ou seja, que não podem ser mantidas, que, por diversos motivos, não possuem longevidade garantida etc. Ao observar a negativa de sustentabilidade é que percebe-se porque o termo tornou-se tão vago.

Desta maneira, faz-se inescusável filtrar e escrutinar esse conceito em algo mais específico para seguir com essa temática. Acontece que as afirmações finais do parágrafo anterior não estão completas, e essa é a parte que muitas pessoas costumam esquecer devido ao desgaste que o termo tem sofrido. Sustentabilidade é, sim, sobre práticas que possam se manter ao longo do tempo,mas essas ações ou processos também precisam considerar e garantir não prejudicar as gerações futuras enquanto explora-se os recursos naturais. Perceba, então, que a raiz do conceito nasce da preocupação ambiental implícita.

Mas porque é importante compreender em maior detalhe esse conceito para responder às questões iniciais? Para entender, por fim, como a realidade das análises de investidores têm mudado e como isso impacta asustentabilidade empresarial, e a relação com o ESG.

          2.   Discussão

Nos últimos anos, o termo ESG tem crescido exponencialmente em popularidade, principalmente entre investidores e grandes empresas. Perceba no gráfico 1, por exemplo, a diferença de interesse entre os clássicos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e o ESG, a tendência é vertiginosa.

Figura 1: Gráfico demonstrativo de interesse entre os termos ODS e ESG no Google Trends

Fonte: Google Trends, 2021.

Isso deve-se, por exemplo, a um fenômeno comum dentro do mundo dos negócios que é a “atualização” de conceitos, como quando chega uma nova versão para o seu sistema operacional e tudo que você compreendia antes é substituído pela versão mais atual e, tecnicamente, melhor. Isso tem acontecido com a Sustentabilidade e o ESG, como se o último viesse para atualizar e substituir o primeiro. Entretanto, ESG não é uma nova versão da Sustentabilidade, mas uma ferramenta advinda da demanda econômica crescente de ações que cumpram com oDesenvolvimento Sustentável.

ESG é pautado em métricas, em materialidade, na observação e análise empírica do que é praticado de acordo com os objetivos propostos. Sustentabilidade, como vimos anteriormente, visa garantir a viabilidade futura não dos negócios, não das empresas,mas da humanidade. Essa já é, por si só, uma diferença contundente entre os dois conceitos. Nota-se então, um contraste em prioridades.

A sustentabilidade prioriza o ser humano, o ESG prioriza o lucro para manter empresas em voga – como explicado no artigo “Além das Aparências: ESG em suas Raízes”, publicado pelo Cidade Júnior em Abril de 2024. E é, aqui, que essa conversa se torna mais interessante.

ESG se baseia no triple-bottom-line, de John Elkington: pessoas, planeta e resultados financeiros. Enquanto isso, sustentabilidade pode ser melhor compreendida através da premissa da Agenda 2030: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias.

A estratégia do ESG prioriza o interesse de acionistas e investidores, tendo os benefícios humanitários, ambientais e de inclusão como consequências. Por outro lado, a sustentabilidade é ampla e inverte essa ordem de importância, onde o bem comum é superior ao ganho individual.

Para ficar mais claro, a magnitude de metas e métricas ESG de uma empresa, ajustadas de acordo com os impactos positivos e negativos que sua atuação gera, serão definidas de acordo com externalidades. Ou seja, de acordo com pressões deshareholders, principalmente, mas também de alguns stakeholders. É de fora para dentro, seguindo um fluxo de pressão. O ritmo de atuação depende do interesse e paciência da alta liderança da própria organização, enquanto que a Agenda 2030, por exemplo, se pauta na urgência de resolução de desafios em escala global.

Acrescento, ainda, a analogia de Aron Belinky (2021):

“[…] Elas (empresas) precisam entender que, se cuidarem apenas do business case mais evidente, correrão o risco de ter ótimas soluções, mas para apenas uma parte do problema. É como se, em um barco avariado, cada um tapasse o buraco que molha o próprio pé, sem atentar para buracos muito maiores na área do seu vizinho: quando o barco afundar, todos irão juntos.”.

Há alguns perigos iminentes ao considerar sustentabilidade e ESG sinônimos. Um deles, por exemplo, é a ilusão de que alcançar altos índices ESG corresponda a impactos naturalmente sustentáveis, causando uma sensação de “dever cumprido”. Isso impede que gestores avancem e furem a bolha do “ESG básico”, compreendendo que para atingir um desenvolvimento sustentável real é preciso repensar nossos modelos de produção e consumo por completo – o que leva aoESG by Design, assunto para um próximo texto. (BELINKY, 2021)

Como apresentado por Mario Monzoni e Fernanda Carreira (2022):

“[…] somos confrontados com dados que apontam o tamanho da lacuna existente entre esse ESG coletivamente imaginado e o que grita a ciência. Traremos esses dados de realidade já como uma provocação de como a lente ESG deveria abordar os complexos desafios socioambientais de nossos tempos: a partir de uma economia ecológica ou de uma sustentabilidade forte […]. Isso significa que os limites à sociedade e, em última instância, à economia, são dados pelo meio ambiente, e não o contrário, como prevê a Economia Clássica.”.

Figura 2: representação gráfica de três esquemas econômicos distintos.

Fonte: adaptado de KURUCZ, COLBERT, & MARCUS (2014) por MONZONI & CARREIRA (2022).

Os conceitos possuem similaridades, e por muitas vezes se cumprimentam ao longo da estrada, mas não andam de mãos dadas porque suas raízes são distintas, bem como suas finalidades intrínsecas.

Conclusão

Entendemos que toda a movimentação financeira envolvida com o ESG – advinda de movimentos e diversos acontecimentos históricos que culminaram na criação de conceitos como o SRI (Socially Responsible Investing, ou Investimento Socialmente Responsável em Português) e, posteriormente no “Who Cares Wins” – é um ponto de mutação extremamente benéfico para a humanidade como um todo. Isso tudo nos impulsiona a atingir objetivos sustentáveis mais rapidamente.

Porém, ao compreender que os conceitos aqui em cheque não são intercambiáveis, também entende-se que podemos ir além do “ESG básico”. Entende-se que ficar nesse único escopo também representa perigos, porque pode levar líderes a ignorar diversos riscos e oportunidades cruciais para sua empresa. E esse é um problema relativamente fácil de se observar.

Por exemplo, dentro do mapa de materialidade da SASB (Sustainability Accounting Standards Board), não se consideram temas como ética nos negócios ou gestão de incidentes de riscos como materiais para os setores automobilísticos e de bens de consumo. Então, por exemplo, preocupar-se com má conduta de seus colaboradores – e todos os escândalos decorrentes – dentro desses setores, é irrelevante?

Isso acontece porque o ESG não carrega, fundamentalmente, um gene de sustentabilidade. Ele nasceu com um propósito diferente que, por consequência, agrada a sustentabilidade.

É preciso que gestores, diretores, decisores e pessoas de alta liderança analisem se as metas ESG de sua organização também se alinham com outras metas globais, saindo apenas da pressão do mercado financeiro, de seusshareholders e de normas regulamentadoras. É preciso analisar se seu ESG também está de acordo com os ODS, com a Carta de Direitos Humanos da ONU, com os Princípios do Pacto Global e quaisquer outras convenções que venham a se apresentar como relevantes para solucionar desafios globais.

Para aqueles profissionais que trabalham com ESG no seu cotidiano, buscando melhorar os índices da empresa, mas que, em última instância visam o ganho global dessas ações, perceba o seguinte: ESG é sua ferramenta de combate, mas seu objetivo final deve ser a Sustentabilidade.

Por fim, após ler todas essas linhas, você saberia responder à pergunta inicial?Quão sustentável é seu ESG?

Matheus Vicentin, 2024.

REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Thaynan Cavalcanti. Análise da relação entre os indicadores de desempenho sustentável (ESG) e desempenho economico-financeiro de empresas listadas na B3. 2020. Dissertação (Mestrado em Ciências Contábeis) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/38600. Acesso em: 07 de maio de 2024.

SISTEMA ESCUDO (Brasil). Notícia: ABNT PR 2023 – A primeira norma ESG do Brasil. 1. [S. l.], 23 maio 2023. Disponível em: https://sistemaescudo.com.br/artigos/abnt-pr-2030/. Acesso em: 2 maio 2024.

GESTOR DE QSMS-RS (Brasil). ESG x Sustentabilidade. 1. [S. l.], 20 maio 2022. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=U_DggB45S_0. Acesso em: 30 abr. 2024.

DEEP ESG (Brasil). Sustentabilidade e ESG. 1. [S. l.], 16 jun. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ikCCzbe2TV4&t=1s. Acesso em: 30 abr. 2024.

SILVA, F. C. N. S. e . Sustentabilidade empresarial e ESG: uma distinção imperativa. Revista de Gestão e Secretariado, [S. l.], v. 14, n. 1, p. 247–258, 2023. DOI: 10.7769/gesec.v14i1.1510. Disponível em: https://ojs.revistagesec.org.br/secretariado/article/view/1510. Acesso em: 2 maio. 2024.

Kurucz, E. C., Colbert, B. A., & Marcus, J. (2014). Sustainability as a provocation to rethink management education: Building a progressive

educative practice. Management Learning, 45(4), 437–457.

AYRES, Andreia Ribeiro. Sustentabilidade empresarial: uma análise das matrizes de materialidade das empresas globais fabricantes de automóveis. [S. l.], p. 81–101, 2020.

GESTOR DE QSMS-RS (Brasil). ESG é a mesma coisa que Sustentabilidade? Tem alguma Diferença?. 1. [S. l.], 22 abr. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Jee3ozwXi2U. Acesso em: 30 abr. 2024.

PENSAMENTO CORPORATIVO (Brasil). ESG, DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL e SUSTENTABILIDADE, três conceitos diferentes que se complementam. 1. [S. l.], 15 set. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=j0lAyF_kNN4. Acesso em: 2 maio 2024.

HAZEL-ESG (Brasil). Qual a diferença entre ESG e Sustentabilidade?. 1. [S. l.], 28 mar. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1No0-ExWCv0. Acesso em: 2 maio 2024.

PIRAMIDAL (Brasil). Sustentabilidade x Desenvolvimento Sustentável: saiba a diferença!. 1. [S. l.], 26 set. 2023. Disponível em: https://www.piramidal.com.br/blog/economia-circular/diferenca-sustentabilidade-desenvolvimento-sustentavel/#. Acesso em: 6 maio 2024.

EQUIPE DESCOLA (Brasil). Qual a diferença entre sustentabilidade e desenvolvimento sustentável?. 1. [S. l.], 9 fev. 2015. Disponível em: https://blog.descola.org/qual-a-diferenca-entre-sustentabilidade-e-desenvolvimento-sustentavel/. Acesso em: 6 maio 2024.

IBM (Brasil). O que é o SASB?. 1. [S. l.], [20–]. Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/topics/sasb. Acesso em: 6 maio 2024.

MONZONI, Mario; CARREIRA, Fernanda. O metaverso do ESG. GV-EXECUTIVO, v. 21, n. 1, 2022. Disponível em: https://hml-bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/gvexecutivo/article/download/85510/80703. Acesso em: 7 maio 2024.

BELINKY, Aron. Seu ESG é sustentável?. GV-EXECUTIVO, v. 20, n. 4, 2021. Disponível em: https://periodicos.fgv.br/gvexecutivo/article/download/85080/80457. Acesso em: 6 maio 2024.

COLEPICOLO, Maria Elisa. Gestão de sustentabilidade empresarial: análise comparativa entre Triple Bottom Line e ESG. 2023. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/items/9695c259-1c27-487a-b9cf-c57a94dc0a2a. Acesso em: 7 maio 2024.

plugins premium WordPress
Rolar para cima